Monday, February 21, 2005

Eu e Fernão Capelo

Era de manhã e o novo sol cintilava nas rugas de um mar calmo. A dois quilômetros da costa, um barco de pesca acariciava a água. Subitamente, os gritos do Bando da Alimentação relampejaram no ar e despertaram um bando de mil gaivotas, que se lançou precipitadamente na luta pelos pedacinhos de comida. Amanhecia um novo dia de trabalho. Mas lá ao fundo, sozinho, longe do barco e da costa, Fernão Capelo Gaivota treinava. A trinta metros da superfície azul brilhante, baixou os seus pés com membranas, levantou o bico e tentou a todo custo manter suas asas numa dolorosa curva. A curva fazia com que voasse devagar, e então sua velocidade diminuiu até que o vento não fosse mais que um ligeiro sopro, e o oceano como que tivesse parado, abaixo dele. Cerrou os olhos para se concentrar melhor, susteve a respiração e forçou ... só ... mais ... um ... centímetro ... de ... curva ... Mas as penas levantaram-se em turbilhão, atrapalhou-se e caiu. Como se sabe, as gaivotas nunca se atrapalham, nunca caem. Atrapalhar-se no ar é para elas desgraça e desonra. Mas Fernão Capelo Gaivota - sem se envergonhar, abrindo outra vez as asas naquela trêmula e difícil curva, parando, parando ... e atrapalhando-se outra vez! - não era um pássaro vulgar. A maior parte das gaivotas não se preocupa em aprender mais do que os simples fatos do vôo - como ir da costa à comida e voltar. Para a maioria, o importante não é voar, mas comer. Para esta gaivota, contudo, o importante não era comer, mas voar. Antes de tudo o mais, Fernão Capelo Gaivota adorava voar ...
Introdução da primeira parte do livro "Fernão Capelo Gaivota" de Richard Bach


Ando numas de refletir sobre a essência da vida... E nessa viagem lembrei de Fernão Capelo Gaivota... O Bach, como sempre, consegue a analogia perfeita... E eu páro, como o Fernão parou, para questionar se realmente o sentido de nossa vida é voar da "costa á comida e, então, de volta à costa"?

Olhamos apenas na direção do não-ver... Mais nada... Só percebemos que nosso coração bate quando tomamos um susto ou precisamos correr pra não chegar atrasados no trabalho!!! Hehehe... Chega a dar medo sentir aquele tum, tum, tum no tórax da gente, né?

Feche os olhos agora e me responda: como está o céu hoje? Sem olhar, me diga a cor dos olhos de seu melhor amigo ou de sua melhor amiga...

O tempo passa e nós nos tornamos experts em voar da costa à comida... Fazemos tudo como manda o figurino: trabalhamos o dia inteiro... corremos atrás de tí­tulos que ornamentem nosso 'resume'... beijamos na boca... fazemos sexo... e tomamos cerveja!!!

Mas olhamos no espelho e não nos vemos... É como se aquela imagem perfeita fosse qualquer coisa, menos EU!!!

A prova disso, a prova inconteste de que nos perdemos de nós mesmos... De que esquecemos qual a real razão pra estarmos aqui é essa ânsia pela "outra parte", alma gêmea, minha metade... Parte-se do princí­pio de que não somos UM, somos a metade disso... Assim, sozinhos, estamos fritos, pois nos sentimos incompletos... Pior!!! Dificilmente encontraremos uma metade perfeita que encaixe exatamente na parte que nos foi extraída (por nós mesmos, diga-se de passagem...) O máximo que vamos conseguir é um pequeno pedaço de nós em cada uma das várias pessoas que cruzam nosso caminho... Resultado: ou nos completamos um pouco com cada uma delas, ou, ficando com apenas uma, continuaremos incompletos... Buscando em nossos parceiros nossa metade perdida... Buscando em outras pessoas, nós mesmos!!!

Epílogo desse primeiro bate-bola com Fernão... Acho que preciso encontrar em mim mesma essa metade que falta... Ou jamais serei feliz com mais ninguém... A expectativa de encontrar a mim mesma em outra pessoa, só me tem trazido decepções...

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